fonte: Folha de SP

por Claudia Collucci

Você usa o SUS? Sim, certamente você usa, mas talvez nunca tenha se dado conta disso. Eu tenho plano de saúde empresarial há quase 30 anos, desde que ingressei no mercado formal de trabalho, mas sou usuária do SUS.

Já utilizei o sistema várias vezes. Em duas delas, após graves acidentes de trânsito. Fui prontamente atendida pelo Samu e levada a hospitais públicos de referência em traumas.

Obviamente, não havia nenhum luxo ou mordomia de que estamos acostumados nos hospitais privados. Nas duas vezes, fiquei em macas nos corredores lotados e, depois, fui transferida para enfermarias igualmente lotadas.

Mas tinha a certeza de que ali receberia a melhor assistência, já que os profissionais desses hospitais-referência têm expertise, estão acostumados a atender acidentados todos os dias. Não há hotelaria no mundo que supere isso.

Em outras ocasiões, já recebi vacinas em postos públicos –a antitetânica e a contra a febre amarela, pelo menos. Meus pais também têm plano de saúde, mas buscam medicamentos no Programa Farmácia Popular.

Também já foram atendidos e internados no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Nessas ocasiões, também tive a certeza de que estariam mais bem atendidos ali do que no hospital “do plano”.

Não é só de assistência médico-hospitalar que estou falando. Na verdade, todos nós usamos o SUS todos os dias. Ao comprar alimentos ou ao comer em restaurantes, por exemplo, tem ali o dedo da Vigilância Sanitária.

Ao tomar um remédio ou usar um cosmético, existe um registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os exemplos são vários e estão contemplados neste excelente vídeo produzido pelo Idisa (Instituto Sanitário de Direito Aplicado).

Reforçar essa consciência de que o SUS é meu, é seu, é nosso deveria existir desde sempre. Pelo menos desde 1988, quando ele foi criado. Talvez se isso tivesse ficado mais claro para a população, teria havido mais engajamento, mais carinho pelo bem público. E mais luta para evitar o desmantelamento que a gente assiste hoje.

Vejo essa questão como suprapartidária, acima da ideologia de qualquer partido. Ter direito a um sistema que dá a possibilidade de todos os brasileiros serem cuidados pelos serviços de saúde públicos é uma condição de cidadania, fortemente defendida por diversos países europeus, além do Canadá. É muito diferente de quando se paga por saúde já que, nesse caso, você é apenas e tão somente um consumidor. E só tem direitos se
puder pagar por eles.

Tenho muitas críticas ao SUS (e ao sistema privado também, como venho pontuando neste espaço), mas não tenho dúvidas de que não podemos abrir mão do sistema público de saúde jamais.

Nos últimos tempos, surgiram no front diversas possibilidades de retrocessos nas políticas públicas de saúde. Dias atrás, a equipe econômica do presidente interino Michel Temer (PMDB) anunciou uma mudança na base de cálculo do orçamento do SUS, que deixa de ser vinculado às receitas correntes líquidas (RCL) e passa a ser pela variação da inflação no ano anterior.

Outra questão é a PEC 143, em tramitação no Senado, que pretende desvincular 25% das Receitas da União, Estados e Municípios, o que pode reduzir o financiamento do SUS. A estimativa é que, se a proposta for aprovada, o sistema deixe de arrecadar R$ 80 bilhões.

Nesta semana, estão previstos diversos protestos contra essas medidas e contra o governo de Michel Temer. Sim, há ameaças de retrocessos, porém, é preciso lembrar que o subfinanciamento e o sucateamento do SUS, além do aumento de incentivo a grupos privados de saúde por meio de isenções fiscais, estão aí no cenário há tempos, a despeito de 13 anos de governo de esquerda. Muitos dos ativistas que levantam a bandeira agora assistiram a tudo isso bem quietinhos nos últimos anos. Ser pedra é fácil, difícil é ser vidraça.